Uma patologia com ação repetitiva e involuntária de deslizar ou apertar os dentes, conhecida como bruxismo, pode ocorrer de forma consciente ou inconsciente, sendo comum tanto em adultos quanto em crianças. A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que cerca de 30% da população mundial é acometida por bruxismo. No Brasil, cerca de 40% sofrem desse problema.
O bruxismo infantil merece uma atenção especial, pois pode ter causas e implicações diferentes da patologia em adultos. As crianças, em fase de desenvolvimento, são mais vulneráveis às consequências desse distúrbio, que pode afetar a formação dos dentes permanentes, a articulação dos músculos da face e o bem-estar geral. Na infância e na adolescência, o transtorno costuma ser mais recorrente em três fases: dos 2 aos 4 anos, dos 10 aos 12, e aos 18. Segundo a Associação Brasileira de Odontologia, entre 14% e 20% desses grupos podem ser impactados.
O diagnóstico é basicamente clínico. A prescrição de exames específicos são para buscar a causa do transtorno, pois o bruxismo em si é descoberto com uma anamnese bem feita, histórico clínico e exame físico, segundo a pediatra Fabiana Fonseca, membro da Sociedade Brasileira de Pediatria. Já o tratamento requer uma equipe multidisciplinar em certos casos, enfatizando a importância de um diagnóstico precoce para evitar complicações futuras.
O tratamento pode envolver diferentes abordagens médicas, dependendo de cada caso. A psicóloga e psicopedagoga Polyane Guimarães recomenda o tratamento com técnicas de relaxamento, antidepressivos e psicoterapia. “É importante acolher a demanda da criança de forma que ela se sinta segura, como conversar de forma dinâmica sobre a rotina de vida e na escola, por exemplo. Também fazer os devidos encaminhamentos para as especialidades de psicologia, psiquiatria e até mesmo neurologia para uma avaliação, tentando entender o contexto e qual fator externo por esta gerando esse sintoma”, completa.
Causas
As causas do bruxismo infantil são multifatoriais, não tendo uma específica, e podem ser por conta de estresse, ansiedade, situações emocionais, distúrbios do sono, problemas dentários, distúrbios neurológicos, transtornos psiquiátricos.
Sintomas
Os sintomas do bruxismo infantil podem variar, mas os mais comuns incluem:
– Dores de cabeça
– Dores faciais: desconforto na mandíbula e na região facial são comuns
– Ruídos durante o sono: o ranger dos dentes pode ser audível, em alguns casos, alertando os pais sobre o problema
– Desgaste e sensibilidade dos dentes
– Distúrbios do sono: o bruxismo pode causar sono agitado, resultando em sonolência excessiva durante o dia
– Marcas na língua ou nas bochechas: em casos mais graves, a criança pode morder a língua ou as bochechas enquanto range os dentes
Se esses sintomas forem percebidos, é importante consultar um dentista para avaliar o caso e buscar tratamento adequado
Tipos e graus
O bruxismo pode ser classificado em dois tipos principais:
Bruxismo noturno, que ocorre durante o sono e é o mais comum. A criança não tem consciência dos movimentos.
Bruxismo diurno, que ocorre enquanto a criança está acordada e é conhecida como bruxismo de vigília. Geralmente associado a estresse ou ansiedade, ao ficar mordendo a ponta de um lápis, por exemplo.
Em relação aos graus, o bruxismo pode ser leve, moderado ou severo, dependendo da intensidade dos sintomas e do desgaste dentário observado.
Possíveis complicações
Quando não tratado, pode causar diversos problemas de saúde a longo prazo, tanto em crianças quanto em adultos. Embora os sintomas possam variar em gravidade, os riscos potenciais incluem: dores crônicas, doenças na gengiva, desalinhamento da mordida, perda dentária e dificuldade de mastigação.
Predisposições
Certos hábitos alimentares podem ser vistos como predisposições para o problema. De acordo com a pediatra Fabiana Fonseca, estimulantes como cafeína e bebidas energéticas devem ser retiradas do consumo habitual, mesmo que não seja recomendado para qualquer criança, propícia ao bruxismo ou não. “Se eu tenho uma criança ansiosa, essa ansiedade está gerando o bruxismo, e ela toma todo dia café ou alguma bebida energética? Nem pensar. Eu preciso ir tirando, esses fatores fazem piorar o quadro”.
Sobre a hereditariedade, existem evidências que possa ser herdado e parentes e ter um componente genético envolvido, mas o estilo de vida da família também influencia. Por exemplo, o distúrbio do sono relacionado à obesidade. “Normalmente a família toda acaba tendo o problema pelo estilo de vida. Não é bem um fator genético. O pai ou a mãe tendo uma arcada diferente, mais protusa, que favorece ao bruxismo, a criança acaba tendo, por ser genético, podendo causar o bruxismo”, afirma a pediatra.
Especialistas que podem ser envolvidos no tratamento
– Odontopediatra
– Otorrinolaringologista, em situações em que há suspeita de problemas respiratórios que possam contribuir para o bruxismo
– Neurologista, podendo ser consultado em casos em que se suspeita que o transtorno esteja associado a distúrbios neurológicos ou problemas de sono
– Fonoaudiólogo, que pode auxiliar na redução da tensão muscular na região da mandíbula e melhorar a função oral
– Nutricionista, auxiliando na alimentação, já que o desgaste dos dentes e a dor na mandíbula podem afetar a capacidade de mastigar corretamente
– Psicólogo, que pode tratar as causas e indicar encaminhamentos
Palavra do especialista
O uso de chupetas e mamadeiras influenciam a incidência de bruxismo?
Sim, o uso prolongado de chupetas e mamadeiras pode influenciar no desenvolvimento de bruxismo em crianças. Essas práticas afetam a posição da mandíbula, dos dentes e o desenvolvimento da musculatura oral, o que pode predispor o ranger dos dentes.
A utilização de placas dentais é comum no tratamento do bruxismo infantil? Como elas funcionam?
O uso de placas miorrelaxantes no tratamento do bruxismo infantil é menos comum do que em adultos, mas pode ser indicado em casos específicos, especialmente quando o bruxismo é severo e está causando desgaste significativo dos dentes ou dores musculares. Essas placas são usadas com cautela em crianças, uma vez que a dentição ainda está em desenvolvimento, sendo necessário um acompanhamento regular para ajustar ou substituir a placa, garantindo que ela continue funcionando adequadamente sem interferir no crescimento e no alinhamento dos dentes. Quando prescritas, elas têm o objetivo de proteger os dentes e aliviar a pressão sobre os músculos da mandíbula. Muitas vezes, o bruxismo em crianças é transitório, associado à troca dos dentes ou a fatores temporários, como estresse ou alterações no sono. Portanto, o uso de placas é apenas uma parte do plano de tratamento e pode ser combinado com outras abordagens, como mudanças de hábitos e técnicas de relaxamento.
Você tem observado um aumento nos casos de bruxismo infantil recentemente?
Nos últimos anos, muitos especialistas e estudos têm relatado um aumento nos casos de bruxismo infantil. Esse crescimento pode estar relacionado a diversos fatores, como: aumento do estresse e da ansiedade em crianças pelo uso crescente de dispositivos eletrônicos, e a redução da prática de atividade física, especialmente durante a pandemia. A rotina do sono irregular combinada com o uso de tecnologia à noite pode estar afetando negativamente a qualidade do sono em crianças, por exemplo. Como o bruxismo está frequentemente associado a distúrbios do sono, essa pode ser uma das razões para o aumento dos casos. Outro fator que contribui para o aumento aparente nos casos é a maior conscientização entre pais e profissionais de saúde. Com mais informações disponíveis sobre o bruxismo, os casos estão sendo reconhecidos e diagnosticados mais cedo do que no passado, o que também pode explicar o aumento nas estatísticas.
Ilana Marques é odontopediatra da IGM Odontopediatria
Fonte: Correio Braziliense