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Correio Braziliense: Uma chaga aberta na saúde global

Ao se retirar da OMS, Donald Trump compromete imagem do país como liderança, dizem especialistas. Programas universais, como vacinação, erradicação da malária e combate ao HIV/Aids, serão afetados

A saída dos Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde (OMS), anunciada pelo presidente Donald Trump, coloca em risco não só importantes programas globais, como os voltados à vacinação e combate a malária, HIV/Aids e tuberculose, mas compromete a imagem do país como liderança global — um espaço que poderá ser ocupado pela China (leia entrevista). Essa é a avaliação de especialistas sobre a medida anunciada no discurso de posse do magnata republicano, que continua a repercutir mal entre médicos, cientistas e diplomatas.
Sob a justificativa de que a agência de saúde da Organização das Nações Unidas (ONU) exige “pagamentos injustamente onerosos” dos Estados Unidos e de que houve má gestão da OMS na pandemia da covid-19, o presidente repetiu o ato de 2020, quando estava à frente da Casa Branca. Porém, na ocasião, a medida teve pouco impacto, pois Trump estava a um ano do fim do mandato, e esse é exatamente o tempo que um país precisa esperar para romper com um organismo da ONU.

O critério da OMS para as colaborações obrigatórias é a riqueza do país, medida pelo Produto Interno Bruto (PIB).  Membros-fundadores da OMS, os Estados Unidos são, hoje, o principal colaborador da agência: 14,53% do caixa de 2024-2025 vêm da contribuição obrigatória do país. O orçamento total do período é de US$ 6,7 bilhões, e boa parte do valor vem de doações voluntárias — o segundo maior financiador da OMS é a Fundação Bill & Melinda Gates.

“O financiamento norte-americano é essencial para a manutenção de programas que combatem doenças como Aids, tuberculose, poliomielite e malária”, destaca a médica Fabiana Soares, mestre em medicina de família e comunidade pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). “Sua interrupção comprometerá não apenas as pesquisas nessas áreas, mas a distribuição de medicamentos essenciais, como os antirretrovirais para pacientes com HIV. Sem esses recursos, o mundo enfrentará um grave problema sanitário, colocando em risco milhões de vidas.”

Segundo a OMS, a contribuição pública obrigatória norte-americana para o biênio 2024/2025 — US$ 261 milhões — foi destinada ao acesso aos serviços essenciais de saúde (38,21%), à erradicação da pólio (16,92%) e à prevenção de epidemias e pandemias (13,86%). A região do Mediterrâneo Oriental, que inclui países e territórios como Síria, Palestina, Israel e Turquia, recebeu 26,08% dos recursos, seguida pela África (24%).

Brasil

Do Escritório Regional das Américas, o Brasil foi o maior beneficiado, com 5% do financiamento, sendo 86,95% desse valor usado na prevenção de epidemias e pandemias. “Certamente, a saída dos Estados Unidos de um órgão que fundou será trágica para o mundo inteiro, particularmente para os países mais pobres e em desenvolvimento”, acredita Melchior Ricardo Machado Meira, médico de família e professor da Universidade Católica de Brasília. “Tento não ser muito pessimista, mas a OMS participa muito do Sistema Único de Saúde (SUS), particularmente na atuação em doenças infecciosas e parasitárias.”

Ao sair do organismo internacional, não é apenas dinheiro que Trump tira da saúde pública global. “A decisão privará a OMS do domínio técnico e da capacidade de especialistas norte-americanos de diversas áreas científicas, pelo menos por meio dos canais atuais”, avalia Belen Tarrafeta, pesquisadora de políticas farmacêuticas internacionais do Instituto de Medicina Tropical da Bélgica. “Além disso, os Estados Unidos perderão a oportunidade de influenciar diretamente a tomada de decisões estratégicas e técnicas, incluindo acesso direto a dados, ou influenciar decisões políticas”, observa.

Para Tarrafeta, a decisão trumpista “abre uma gama de possibilidades e incertezas, tanto quanto os pontos críticos geopolíticos”. Ela destaca que é essencial que outros estados-membros se manifestem — até agora, declarações oficiais foram tímidas. A porta-voz da Comissão Europeia, Eva Hrncirova, disse que a União Europeia está “preocupada com o anúncio”. Também destacou que são necessárias reformas na OMS, incluindo sobre financiamento, e que o bloco está disposto a se envolver na questão.

“Por fim, é crucial considerar qual é a estratégia de Trump em relação à saúde global fora da OMS”, observa a pesquisadora do Instituto de Medicina Tropical da Bélgica. “É necessário perguntar se essa ação faz parte de uma retirada mais ampla de outros programas e outras agências da ONU, e se sua saída da OMS marca o início de uma nova estratégia alternativa por meio de outros mecanismos, focada em outros valores, como comércio e segurança.”

Carta aberta

“A retirada (dos Estados Unidos) da OMS não ‘torna a América saudável novamente'”, disseram pesquisadores da Universidade de Georgetown, em Washington, da Escola Londrina de Higiene e Medicina Tropical, na Inglaterra, e da Universidade Monash da Malásia, no país asiático, em uma carta aberta publicada ontem na revista The British Medical Journal (BMJ). Eles fazem referência ao slogan de Trump, de “fazer a América grande novamente”.

Para os autores, Kent Buse, Larry Gostin e Adeeba Kamarulzaman, a medida “diminui severamente a influência e a posição norte-americana no mundo, ao mesmo tempo em que ameaça seus interesses nacionais e a saúde da população”.

Três perguntas para Priscila Caneparo, doutora em direito internacional e professora da Universidade Católica de Brasília

Qual o impacto da decisão de Donald Trump de retirar os Estados Unidos da OMS?

No primeiro momento, há um período que chamamos de “denúncia do tratado”, até a saída efetiva, quando os Estados Unidos ainda ficam vinculados. É como um período de carência. Mas, de fato, vai haver um corte efetivo de todos os centros de pesquisas e agências dos Estados Unidos em relação à pesquisa científica e no combate a doenças. Os Estados Unidos eram os maiores contribuintes — não gosto de usar a palavra financiadores porque, na realidade, eles pagam uma anuidade, que depende da capacidade de cada Estado-membro. Com esse pagamento, a OMS poderia investir em programas de vacinação em países em desenvolvimento, além de pesquisas e programas para combate de epidemias. Há, ainda, um possível efeito-dominó no cenário internacional: a saída de todos os governos fortemente influenciados ou que têm uma aliança forte com o Trump. 

A OMS está ameaçada?

Neste atual momento, com o governo Trump e governos de extrema-direita, a gente vê um declínio do multilateralismo. Há um vácuo de poder nos foros multilaterais que, no futuro, serão preenchidos pela China. Se os Estados Unidos estão dando uma cartada, a cartada final virá da China. Por isso que eu não acredito no declínio da OMS, eu não acredito no declínio das organizações internacionais. 

Do ponto de vista político, qual principal implicação para os Estados Unidos, ao se retirarem de organismos e acordos internacionais? 

Por enquanto, não acredito que haverá tanto impacto político, mas, a partir do momento em que a política de Trump começar a mexer na estrutura econômica e social dos Estados Unidos, eles vão perder espaço internacionalmente, porque eles vão acabar saindo dos foros multilaterais. Os próximos que os Estados Unidos sairão, pode ter certeza, serão a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e a Organização Mundial do Comércio (OMS). Quando o país precisar voltar, por conta da questão econômica e questão da estrutura social, esses espaços já vão ter sido ocupados pela China. (Paloma Oliveto)

Fonte: Correio Braziliense

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